18 de janeiro de 2011

O Gato

Uma vez ouvi dizer que toda pessoa deveria fazer três coisas básicas antes de morrer: ter filhos, plantar uma árvore e escrever um livro. São, com certeza, ótimos projetos, que fazem a pessoa sentir-se mais completa. Ainda não tive filhos, e não lembro de ter plantado alguma árvore (que eu me lembre, só plantei mesmo feijãozinho no algodão umedecido quando estava na escola), mas estou dedicado a cumprir a última tarefa. Já tentei várias vezes vingar nesta empreitada, e a mesma quantidade de vezes desisti. É difícil você pôr todas as suas idéias em palavras e organizar os argumentos a fim de que você obtenha uma estória que expresse todo o seu deslumbramento e que também interesse a outros. Por isso, admiro, incentivo e ajudo escritores emergentes com boas idéias e com talento, porque considero o bom livro uma vitória para seu autor.
Há pouco tempo, incitado por um amigo próximo que resolveu explorar seus dotes literários, comecei a escrever algo que sempre tive vontade: a história de um gato, ou melhor, uma história contada por um gato.
Ainda não escrevi muito, mas espero me dedicar a este livro, que está me parecendo interessante.

O Gato

            A sala parecia estar ficando clara, mas meus olhos não tinham certeza, pois estavam pesadamente cerrados. Ou minhas pálpebras são feitas de chumbo, ou talvez seja o esplendor de meus olhos esverdeados que as consomem de tanto esforço, mas o fato é que demoro a erguê-las. Vamos lá... Força, Rajado! 1... 2... 3... Ah! Já vejo uma lua crescente de luz aparecendo através delas... Mais um pouco... Finalmente. Consegui. 
                A salinha estava realmente recebendo o dia. Se à noite suas paredes eram da cor da luz da lâmpada, do abajur ou da TV, durante o dia eram cor amarelo-palha, o que sempre me faz lembrar de algo doce e cremoso, algo como doce feito de nata. Que horas devem ser? Oras, que importância têm as horas para alguém que não é humano! Volto a cerrar os olhos.
                Tléc-tléc. Chuááá. Tlim, tlim, bum, bum.
                Mais uma vez exerço aquele esforço para abrir os olhos. Passaram-se já algumas horas e os grandões acordaram, então acho que devo fazer o mesmo. Ai, mas estou tão cansado ainda... Minhas noites são sempre agitadas. De tal forma que, a esta hora, meus músculos estão moles como gelatina.
                Mas que fome! Opa, então é hora de acordar – por enquanto.
                Pulo da minha cama de hoje: o terceiro andar do armário da sala. Uau, que energia fantástica essa que percorreu o meu corpo agora. Sempre acontece quando meus pesinhos tocam o chão com força (e eu sempre caio em pé). A sensação chega a ser tão boa quanto a de dormir. Mas não me demoro: a fome!
                Sei que vai levar algum tempo até conseguir a comida servida para mim, pois os grandões são... bem, são grandes, enfim. São grandes, burros e lentos. Por isso, se não me apressar agora, eles saem e morro de fome.
               Vou rebolando até a cozinha. É dali que vêm os barulhos. Significa que o grandão está preparando o café da manhã e logo que terminar vai para o trabalho. Paro antes de entrar. Checando: pálpebras caídas, andar vagaroso e traseiro empinado. Ok. Entrando.
               Ele está na pia, cortando alguma coisa e pondo no pão. Quando me vê, abre um sorriso. Quando senta-se na cadeira, eu corro a enroscar-me em seus pés.
- Bom dia, Rajadinho do papai! Quem é o bichinho mais fofinho desse mundão? – diz ele com voz de criança.
               Ronrono. Isso significa: “Quero comida”, ou, pelos menos, deveria significar. Mas ele não entende – é claro que não entende! -, larga tudo e me pega no colo. Lá vamos nós...
- Coisinha mais fofa do mundo! Gatinho gordo! – ele me vira de barriga pra cima sobre seus joelhos. Eu detesto isso, mas apenas fecho os olhos, para ele achar que estou com sono, para que ele talvez entenda minha indiferença. Mas não adianta. Lá vai ele fazer cócegas na minha barriga...
               Isso é tão estúpido. Não estúpido por ser ridículo para mim (mesmo que seja), mas é ridículo da parte deles. Quero dizer, eles estão sempre rabugentos e ocupados, correndo de lá para cá, arranjando papéis, pensando em decisões e pisoteando a grama, mas basta uma coisa como eu aparecer e tudo pára. Lá vêm eles inclinando-se para mim com covinhas nas bochechas, acariciando-me, dengando-me, como seu eu possuísse o poder de fazer-lhes esquecer tudo no que estavam ocupados. Os grandões são assim com tudo e com todos, não só comigo. São atraídos pela beleza, paz e deleite que nunca vão possuir em plenitude. Assim, eles constroem torres de pedra para poderem melhor contemplar o sol, mas lançam nuvens de fumaça no céu em sua empreitada, e então nada vêem. São confusos, os grandões.

2 comentários:

  1. ótima história, JH! Continue! Sua narrativa é ótima.

    Abração!

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  2. Helleno!
    tu escreve muito bem amigo! continua...

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