9 de agosto de 2012

Resenha de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida

Se Manuel Antônio de Almeida fora íntimo o suficiente da época que narrou ao ponto de ser fiel à realidade, não se pode dizer. O que se pode afirmar é que, através da narração da vida dos personagens que criou, ele pinta-a como sendo o momento de uma cultura na qual todos são muito religiosos, mas ninguém é santo. Neste universo, encontramos vadios, fofoqueiras, encrenqueiros, mesquinhos, hipócritas... Enfim, os mais típicos perfis do povo brasileiro, de ontem, de hoje e de sempre.
No centro de todos, está nada mais, nada menos, que o protótipo do “malandro” carioca: Leonardo (filho), o protagonista, a partir do qual as demais histórias se desenrolam. Sendo um órfão de pais vivos, que estavam ocupados demais em se envolver com romances e amantes para cuidarem dele, foi criado pelo padrinho, um barbeiro solitário que incumbiu-se da árdua tarefa de dar jeito ao menino, tentando discipliná-lo e dar-lhe um futuro. O menino, por sua vez, tendo “maus bofes” já desde pequeno, incapaz de fazer qualquer coisa que não resultasse em bagunça ou proveito próprio, acaba por cair num destino de boa-vida. E para salvá-lo das desventuras em que se mete, enquanto vai crescendo, seus familiares e amigos movem mundos e fundos, fazendo planos daqui, intrigas dali, chamando a polícia, mandando rezar missa, rogando favores a conhecidos seus...
O tom da narrativa lembra muito um português de Portugal, clássico, mais formal que o de Machado de Assis; o que me faz pensar se o autor não apelou ao estilo de escrita para inspirar no leitor uma maior aproximação com a época narrada (que é, a final, mais antiga que o tempo em que foi escrita). Muitas palavras arcaicas são utilizadas, e alguma dificuldade pode ser encontrada pelo leitor neste sentido, mas, de forma geral, a leitura é fluída.
Destaco o personagem do major Vidigal. Cercado pelo seu grupo de “policiais”, digamos assim, Vidigal é na verdade uma espécie de inquisidor, pois caça, julga e aplica a pena àqueles a quem bem entender. E, apesar de seus escrúpulos e sensatez, Vidigal não está livre de arbitrariedades: algumas mais explícitas, como quando pune àqueles que lhe ofendem, outras mais sutis, como o fato de sua vigília estar sempre focada em encontrar desocupados e festeiros a serem presos. Só isto revela um conflito que é presente na cultura brasileira até hoje: o trabalho como exigência social versos o espírito festeiro do povo. Além do que, também encontramos aí, nesses tempos, o medo mesclado à idolatria às autoridades, que dá mostras de um povo passivo diante dos abusos dos governantes e da lei.
Por fim, resta dizer que dei boas risadas durante esta leitura. E isto, para um livro, ainda mais sendo um livro clássico, é algo de ser admirado.

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