Quando se trata de uma história de reis e seus reinados, de heroísmo, de cavaleiros e espadas, não se espera que as luzes da ribalta estejam sobre protagonistas femininas. Mas Marion Zimmer Bradley é tão exímia em escrever sobre a figura feminina, seu papel na sociedade e suas dores, anseios e desejos, quanto sobre o tema medieval.
Assim, enquanto a lenda conta de Artur e de sua jornada ao trono da Bretanha, sob orientação de Merlin e pelo poder da espada Excalibur, de sua queda pelas mãos do próprio filho e por intermédio da bruxa Morgana, em As Brumas de Avalon contemplamos os bastidores dos acontecimentos que levaram o rei ao poder.
Tudo acontece por desígnio de Viviane, a Senhora do Lago. Representante da Fé Antiga, anterior ao aparecimento do cristianismo naquela terra, Viviane vê a Ilha Sagrada de Avalon ser engolfada pelas brumas e lançada a um espaço paralelo ao mesmo passo em que a religião da Deusa é obscurecida e demonizada pelos sacerdotes de Cristo.
A Bretanha era, então, uma terra romanizada, e os nobres e poderosos que guardavam e dirigiam a sociedade seguiam os valores cristãos, embora convivessem lado a lado com os ritos e superstições de cunho pagão, mas que eram progressivamente abandonados através da influência do clero. Os druidas e sacerdotisas da Deusa precisavam adotar a postura necessária para resgatar a Fé Antiga e impedir que Avalon e os demais lugares sagrados fossem separados do mundo ao redor, junto com toda magia e conhecimento advindos da Deusa e da natureza.
Mas tanto a religião dos antigos quanto a dos cristãos eram igualmente ameaçadas pelos bárbaros e saxões contra os quais a Bretanha estava em guerra desde que as tropas romanas a abandonaram para retornar à sua capital, deixando para trás uma cultura semi-estruturada e fronteiras sob constante ataque invasor.
Viviane encontrava no advento do líder militar Uther Pendragon ao trono o momento ideal para traçar uma aliança com o futuro Grande Rei, tramando para que sua própria irmã, Igraine, desse a ele um herdeiro à coroa, um homem que nasceria para governar e trazer paz e perseverança à Bretanha, um rei de territórios cristãos mas nascido e criado da magia de Avalon: Artur Pendragon. Mas até que o enlace de Igraine com Uther fosse levado a cabo, até que o futuro Grande Rei fosse gerado e posto no trono, Viviane teria de usar muito de suas habilidades e enfrentar muitos desafios, dentre os quais, manipular o destino e a vontade de suas próprias irmãs, filhos e sobrinhos.
Em As Brumas de Avalon, Morgana das Fadas é descaracterizada daquela mesma personagem da lenda popular, a inimiga de Artur e Merlin, a bruxa devassa e ardilosa que trama contra a paz do reino. Agora, ela mostrada como uma sacerdotisa de Avalon, uma mulher negligenciada na infância, que é trazida à Ilha Sagrada para ser disciplinada no serviço à Deusa e aprender a desenvolver a Visão. Seu papel na trama torna-a a protagonista da saga, e sua personalidade resignada, por vezes sofrida, e o encanto de sua sutil magia elegem-na uma personagem muito interessante e querida.
E é pelo dom de Marion Zimmer Bradley em criar uma narrativa medieval palpável, somada ao tema arturiano, que As Brumas de Avalon merece a fama que alcançou e o patamar de literatura auto-recomendada. Inexplicável a forma como a estória seduz enquanto se desenrola na roca de fiar, na soleira da lareira, na barra das anáguas e nos grandes salões de pedra, onde ladies, rainhas e sacerdotisas resolvem e influenciam o destino de toda uma nação.
Não é de agora minha relação com a autora. Sua série de livros sobre o planeta Darkover influenciou grandemente minha cultura literária e, por que não, minha formação pessoal. Com eles (o primeiro foi A Espada Encantada), aprendi, já cedo, que as pessoas são ambíguas, à vezes boas e ao mesmo tempo más. Além de que, são, acima de tudo, muito libidinosas. Talvez por causa de Marion Zimmer Bradley, meu gosto literário seja ainda hoje tão voltado para a fantasia, para os dramas psicológicos e, sempre que possível, para temas eróticos.
 
 
Li essa séria quando era adolescente, pegando de biblioteca. Acredito que sejam os livros dos quais mais gostei na vida.
ResponderExcluirHoje tenho a coleção completa, mas nunca reli. Tenho medo de mudar aquelas lembranças tão românticas (apaixonada pelo Artur). E se agora eu não gostar tanto dele? Não posso me decepcionar... rsrsrs
Gisela (do skoob)