Na taverna, Severiano sorvia calmamente sua cerveja, pensando nas últimas aventuras. Resgatar donzelas em perigo: poderia chamar a isso sua profissão, embora nada lhe rendesse além da emoção de superar o perigo e de ter noites de prazer com as suaves senhoritas resgatadas. E como sobrevive um paladino que nunca teve terra para plantar, nem qualquer herança de pais ou parentes, os quais nunca teve nem conheceu? Bem, de alguma forma, pegar na espada era uma coisa que fazia desde que se entendia por gente. Então, vivia prestando pequenos serviços a senhores de terras, como guarda de vilarejos ou, eventualmente, como caçador de recompensas, tudo pelo tempo em que fosse necessário.
Enquanto pensava em dinheiro e na textura dos cabelos da dama que deixara para trás, na última estada sua antes de retornar à vida errante, a modorrenta taverna foi-se tornando cheia e agitada. Subitamente, o paladino deu-se conta de que, naquele dia, a casa estava excepcionalmente movimentada para uma cidade tão pequena. Homens fracos ou robustos, feios e castigados, todos engajados em rodas de conversa, tagarelice em torno de canecas cheias de bebida fermentada, que servia de meio e finalidade para aquelas reuniões. Em meio a tudo, observavam-se algumas mulheres somando seus frívolos risos ao desconsoante falatório do bar, e pivetes imundos esgueirando-se por debaixo das mesas, correndo uns atrás dos outros, ou mendigando esmola.
Foi quando Severiano percebeu um dos moleques, um jovem na verdade, já não mais criança, espreitando-se discretamente por trás de um homem razoavelmente bem vestido e tentando puxar-lhe algo da cintura. Um pouco surpreso pela ousadia do rapaz, Severiano levantou-se abruptamente da cadeira, arrastando-a ruidosamente,e isto despertou a atenção de algumas pessoas, inclusive da própria vítima do ladrão.
Notando, então, que estava sendo abordado pelo moleque, o homem puxou-o rudemente pelo pescoço magro e enfiou seu rosto no tampo da mesa, xingando imprecações e incitando os presentes a uma punição adequada ao menino. - Vejam esta escória da humanidade! Tentando molestar pessoas decentes que só estão tentando se divertir. Definitivamente nossas casas não precisam de diabretes por perto.
Em pouco tempo, a população da taverna, que até o momento parecia alienada e despreocupada, juntava-se agora em torno do pobre moleque, cercando-o com gritos e pancadas. Não demorou muito e o jovem logo estava sendo arrastado para fora, punhos atados e filete de sangue escorrendo pela boca socada. A roda de gente gritava "morra" e "tortura" e mal se podia entender, para uma pessoa de fora como Severiano, como tanto ódio nascera tão de repente. [...]
 
 
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