Carmelo foi o nome que recebi do velho monge que me recolheu na porta do mosteiro de Silmerid, quando era ainda  recém-nascido. Significa algo como "Jardim dos deuses". Mas há muito tempo não atendia por este nome. Cresci lá, naquele mesmo mosteiro, onde vivi por quase toda vida até agora, respondendo simplesmente pelo desígnio de Quinto (já que eu fora a quinta criança dada a serviço dos deuses naquela casa).
A vida monacal ensinou-me a ser forte, pois nada ensina melhor a ter resistência do que um leito simples para dormir, um banho frio ao começar o dia, refeições austeras, e uma rotina repleta de trabalho, estudo e oração.
É claro que o monastério também oferecia vantagens aos internos: em nenhum outro ponto da cidade - além, talvez, do palácio do rei - havia um acervo bibliotecário, nem laboratórios alquímicos. No mais, a rotina de meditação dos monges ensinava-nos  a conhecermos a nós mesmos, e o trabalho nas ortas nos apontava o conhecimento da terra, donde crescíamos em força e habilidade.
O monastério de Silmerid praticava a caridade como motivo de sua existência. Críamos nos deuses, nossos mentores, mas críamos, acima de tudo, no homem. As pessoas são imperfeitas, mas são capazes do bem, desde que sigam pelas sendas corretas. Aprendemos que nem sempre é fácil enxergá-las, mas que nossa missão era, justamente, apontar o caminho que conhecíamos, afastando a miséria e a ignorância dos povos "do mundo". Assim, o monastério era um misto de casa de cura, educandário, pousada e templo, onde indigentes e  famintos eram recebidos e educados por nós na doutrina dos deuses da Ordem e da Justiça, pelo tempo que precisassem.
Tudo seguia o rumo esperado, até que o monastério chegou perto demais de seu objetivo. Crianças de rua e ladrões de sarjetas tornavam-se  gente civilizada e cientes de sua condição. Não agradava, assim, aos olhos dos nobres de Silmerid, que cidadãos comuns, sem propriedades nem riquezas, procurassem crescimento pessoal e justiça, pois isto significaria o fim de um intrincado sistema que sustentava a posição dos poderosos sobre os fracos.
Foi assim que eles chegaram. Armados, mascarados, vestidos de negro. Cerca de 30 homens montados. A noite, enquanto  os monges e demais residentes do mosteiro repousavam, este grupo de inimigos, aparentemente desconhecidos e sem motivo algum para nos odiar, devastou nossa casa. Derrubando nossas paredes, lançando fogo em nossos jardins, devastando nossos bens, assassinando as pessoas de nossa irmandade, destruíram, em pouco menos de uma noite, todo o resultado de séculos de tradição e boas ações.
Suspeitei, tempos mais tarde, e ainda acredito, que eram emissários dos nobres senhores de Silmerid, que nos odiavam em segredo.
Mas foi das cinzas de meu lar, naquela mesma noite, entre os poucos sobreviventes, no campo adormecido da batalha, que encontrei minha sina. Pois o monastério não poderia ser reerguido, nem que houvessem homens o suficiente para esse trabalho - e não havia -, afinal, os poderosos não tardariam em retornar e praticar novo ataque. Naquele dia, em Silmerid, não fora destruído um simples templo, mas sim, um ideal. Os monges sobreviventes, como eu, não poderiam, contudo, abandonar este ideal, aprendido em anos de ensinamentos e convivência. Trataríamos, então, de levar nossa mensagem pela terra, aonde for que nossos pés pudessem nos levar. Mesmo que, em Silmerid, a corrupção reinasse, não deixaríamos de lutar contra o mal, nem de plantar a semente dos nossos deuses do bem, nos corações dos homens.
Foi assim que, tomando uma couraça extraviada no próprio campo de batalha (poderia até mesmo ser do inimigo, talvez) e alguns livros de medicina e botânica que sobreviveram ao incêndio, parti desta terra, para uma jornada por um mundo que eu, mesmo com minhas vinte e tantas luas de vida, conhecia muito pouco.
 

 
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