22 de julho de 2012

Passagens do conto "O Assassino", de Ray Bradbury, em Os Frutos Dourados do Sol


[...] Qual é a característica desses aparelhos [rádios-relógios de pulso, metáforas do celular] que os torna tão irresistivelmente "convenientes"? [...]
[...] Tudo era tão encantador no início. A idéia dessas coisas, da utilidade prática, era maravilhosa. Eram quase brinquedos, mas as pessoas se envolveram demais, foram longe demais, enredaram-se em um padrão de comportamento social e não conseguiram mais sair. Não conseguiram sequer admitir que estavam envolvidas nele. Aí, racionalizaram a situação e passaram a ignorar seus próprios nervos. "A idade moderna", diziam. "Condições." "Estresse." [...]
[...] [O psiquiatra:] - Sr. Brock, posso dizer que até agora seu padrão de comportamento, não foi muito, como direi, prático. Se o senhor não gostava de rádios nos ônibus, nos escritórios e no carro, por que não entrou para uma associação de inimigos dos rádios, passou abaixo-assinados ou tentou ações legais constitucionais? Afinal, estamos em uma democracia.
- E eu - disse Brock - sou o que se chama de minoria. Eu entrei para associações, fiz piquetes, passei abaixo-assinados, abri processos. Protestei anos a fio. Todos riam. Todo mundo adorava rádios e comerciais nos ônibus, eu é que estava por fora.
[O psiquiatra:] - Neste caso, o senhor devia ter aceito o fato como um bom soldado, não acha? A vontade da maioria.
- Mas eles foram longe demais. Se um pouco de música e "contato" era ótimo, eles acharam que muito mais seria dez vezes melhor. [...]
[...] Entrei na sala e atirei no aparelho de TV, aquela fera traiçoeira, aquela Medusa, que transforma em pedra um bilhão de pessoas toda noite, todos olhando fixamente para aquele Sereia que chamava e cantava e prometia tanto, e que no fim das contas dava tão pouco [...]
[...] - Eu fiquei simplesmente passeando e sentindo o silêncio. É um enorme tampão, feito da flanela melhor e mais macia que exite. Eu fiquei sentado no meu carro, sorrindo, sentindo aquela flanela nos ouvidos. Fiquei embriagado com a liberdade! [...]
[...] Sou a vanguarda do pequeno público que não aguenta mais que tirem vantagem deles, que os empurrem, que gritem com eles, musica o tempo todo, o tempo todo em contato com alguma voz em algum lugar, faça isso, faça aquilo, depressa, agora isso, agora aquilo. [...]

Nota - Diria que esta é uma ótima expressão do problema do mundo civilizado, principalmente numa cultura ocidental - tão prática e organizada -, consumista e tão sufocada pela mídia. Estenda-se a questão do "barulho" no conto, para todas as formas de ruído que temos de suportar nos dias de hoje.

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