4 de novembro de 2012

Nadine

As pessoas são falsas. Todas estão acostumadas a guardar suas verdadeiras intensões da forma como uma serpente aguarda o bote. Por isso que, para o despreparado, ver o mundo é como passear por uma rua de fachadas imponentes, limpas, fortes e francas, quando, bastando bater à porta de qualquer um desses casarões, se é recebido por um anfitrião louco e mal-criado.

Harryson só percebera isso quando Nadine o deixou. Nadine não era sua namorada. Ela era... uma amiga, mas muito mais íntima que isso.

Ele lembrava quando Nadine lhe surgiu pela primeira vez. Até aquele momento, Harryson sobrevivera à desilusão do Papai Noel, do Anjo da Guarda, e de tantas outras mentiras inventadas pelos adultos. Quando, por fim, dera-se conta de que definitivamente magia nenhuma existe, Nadine apareceu. Desde então, ela vivia empoleirada em seus ombros, ou guardada em algum lugar dentro do seu peito. Só saltava para fora e sentava-se ao seu lado quando ninguém estava por perto.

Os dois eram perfeitos juntos, e sabiam disso. Harryson habituava-se a fazer rapidamente tudo o que mais fosse além de estar com ela. Na escola, nas refeições, nas festas, nas conversas com outras pessoas... Tudo era feito às pressas, do modo mais breve possível, para que Harryson pudesse voltar logo ao seu quarto, confinar-se e encontrar-se com  a Nadine.

Amavam ler juntos. Preferiam romances clássicos, os europeus acima de todos. E tanto melhor se as folhas dos livros fossem amareladas e o volume empoeirado. Mas também apreciavam assistir filmes, desenhar e escrever. Qualquer coisa era bem vinda quando Harryson tinha sua amiga por perto.

E foi assim que, mesmo não percebendo, Nadine suprira-o de amor por anos! Os presidentes se alternaram no poder, as Torres Gêmeas caíram, a dívida externa brasileira foi finalmente paga, Harryson cresceu, e ele continuava apaixonado pela amiga. Raras vezes, ele conseguiu olhar para outras pessoas como olhava para a Nadine. Mais tarde, ele concluiu que a amiga tinha, na verdade, mais essa habilidade, a de saltar para dentro de alguém, sem que ninguém percebesse.

E a Nadine era linda! Seus olhos eram como... Seus cabelos eram... Sua postura, seus modos, suas cores... Bem, é impossível descrever com palavras. Talvez, só reunindo os desenhos de Harryson para entender a aparência dela. Um rinoceronte aqui, uma casa acolá, mais um índio caçando, um vampiro, dois namorados, algumas sereias e magos... Enfim, colocando-se tudo lado a lado, dava para se ver um pouco da Nadine.

Contudo, um dia ela foi embora. Em algum momento, sem que ele se desse conta, sutil como sempre, ela se foi. Aos poucos, ele foi percebendo os sinais; não sentia mais o peso suave de suas mãos em seu ombro, não conseguia mais encontrar-se com ela quando estava sozinho... É que o tudo o mais da vida estava tomando cada vez mais tempo dele. Não fosse isso, ele havia de ter notado e evitado o pior!
Como ela também o ajudava a tomar decisões, ele foi percebendo que havia feito escolhas erradas. Daí que, finalmente, certo dia, parou, refletiu e acabou admitindo que ela se fora. De verdade.

Doeu muito no Harryson, é claro. Ainda mais porque ele não sabia se ela tinha-o deixado - o que era ruim -, ou se - e isso era  o que o realmente atormentava -, fora ele quem a tinha abandonado no meio do caminho.

A coitada era tão boazinha! Ele suspeitava até que ela tinha providenciado uma certa substituta antes que partisse - ou fosse abandonada. É claro que, se havia uma substituta, ela não agradava que nem a Nadine; era burra, irritadiça e o deixava na mão muitas vezes. Bem, uma hora o Harryson teve de admitir... Não havia substituta nenhuma... Tudo não passava da sensação de vazio que a Nadine deixara.

Teria de, finalmente, amarrar os cadarços dos tênis sozinho...



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