20 de fevereiro de 2011

O Clone



Novelas são uma forma de arte; nascidas na literatura e transportadas, com grande sucesso, para as telas da TV, constituem uma forma de entretenimento muito popular no Brasil. Verdade é que as novelas, no país, tornaram-se uma poderosa ferramenta da mídia, influenciando na moda, na cultura, na educação e no modo de agir das pessoas.
Apesar das constantes críticas quanto ao seu conteúdo, à sua apelação e ao seu poder em geral, as telenovelas não deixam de ser Arte, e uma Arte muito semelhante ao cinema, só que menos glamorosa. Há, contudo, novelas boas e novelas ruins. Algumas se perdem totalmente em enredos fracos, clichês desgastados e numa estética exagerada. Outras ganham com abordagens de temas sociais importantes, por exemplo.
Mas em 2001, a talentosíssima Glória Perez escreve a melhor novela de todos os tempos (certo, esta é uma opinião bem pessoal, mas vá lá): O Clone. Sua história consistente é desenrolada por personagens peculiares, e possui aquela virtude do enredo bem feito, que tem um objetivo para o qual caminha sem grandes desvios.
A novela conta a história de dois jovens de culturas diferentes, que apaixonam-se avassaladoramente um pelo outro. Jade, mulçumana nascida e criada no Rio de Janeiro, e Lucas, brasileiro filho de um rico empresário. No ir e vir desta conturbada relação proibida, um geneticista do Brasil, Dr. Albieri, cria um clone, às escondidas e apesar de todas as proibições éticas, com o intuito de resgatar a alma do falecido irmão gêmeo de Lucas, Diogo.
Alternadamente com cenas de um Rio de Janeiro tipicamente carioca, urbano e com moradores divertidos, somos levados ao Marrocos, país mulçumano, tão diferente da realidade brasileira quanto são as diferenças entre Oriente e Ocidente. O fundo musical e as canções nacionais indolentes e chorosas, as citações do Alcorão, os aforismos de tio Ali, as vestes e os trejeitos dos personagens daquele país nos revelam um mundo onde Deus ainda dita as regras sob as quais as pessoas vivem. Embora este meio de vida apresente uma faceta opressora e claustrofóbica, principalmente para as mulheres, do que Jade é puro exemplo, é inegável que a religião e a lei daquele país criaram um povo antigo, forte e firme como a própria terra.
Sendo mulçumana, Jade é orientada a amar e desejar apenas depois do casamento, que é arranjado pela família, sem consentimento da mulher. A indômita garota encontra, então, Lucas, que estava a passeio no país, e acaba por dedicar-lhe toda fé e esperança de viver um amor livre, por ela escolhido. O rapaz, por sua vez, fica encantado pela beleza e magia da mulçumana. Entre os encontros furtivos e desencontros frustrantes, o casal expressa a crença no destino, tão típica dos mulçumanos. Afinal, maktub – estava escrito. Se o bem ou o mal acontecem, é por vontade e desígnio de Alá. E para Jade e Lucas, o amor dos dois estava escrito, e nada nem ninguém poderia lutar contra ele. Mas, embora a vontade dos dois fosse grande, o contexto foi maior, e eles não foram capazes de impedir que fossem separados, cada um em direção a seu próprio “destino”.
Em nada semelhante a um herói, Lucas, o protagonista, não é um homem corajoso e nem determinado. Acostumado a viver sob a sombra de seu irmão gêmeo, que possuía uma personalidade mais forte, Lucas entrou em conflito quando seu irmão morreu. Com a destruição da amálgama que formavam, Lucas teve de descobrir, então, quem ele realmente era. E neste mesmo momento de sua vida, Jade tornou-se como o objeto de uma coragem que ele precisava adquirir.
Paralelamente a tudo isto, o geneticista Dr. Augusto Albieri lutava contra a vontade de criar o primeiro clone humano da História, embora este sonho secreto fosse coibido pela ética restritiva do mundo científico. Quando seu amado afilhado Diogo – irmão gêmeo de Lucas – vem a falecer, a última barreira é removida, e Albieri cede ao desejo de reproduzir um novo ser para amar e educar. Como um Fausto moderno tentando criar um homúnculo, Albieri traz à vida, através do DNA do gêmeo vivo, Lucas, um novo Diogo. O clone, por sua vez, vem a ser no futuro, integrante de um triângulo amoroso com Jade e Lucas, tornando-se rival daquele com quem compartilha a mesma alma.
           Em meio a estas nuances de tragédia grega, a crença no Destino, apesar do seu encanto enigmático, provoca nos personagens os mesmos erros estúpidos que cometeriam se acreditassem na construção do próprio futuro através do presente, do aqui e do agora.

E este é o mérito desta magnífica novela de Glória Perez, que mistura misticismo, ficção científica e temas populares em um caldeirão de cenas marcantes e muito bem representadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário